domingo, 9 de abril de 2017

Avanço populista deixa rei holandês em dilema sobre papel político

 

  Sem poder político e obrigado a permanecer neutro, o rei Willem-Alexander, da Holanda, se encontra em um dilema diante de seu primeiro processo eleitoral desde assumir ao trono. A ascensão do populismo de extrema-direita põe em questão os valores que acreditava-se serem intrínsecos a identidade nacional holandesa — como a tolerância, a solidariedade com as minorias e o compromisso com a integração europeia, todos elementos presentes nos discursos oficiais, como estabelece a Constituição.
— Como chefe de Estado, ele deveria estar preocupado pelo populismo e nacionalismo crescente. E, em particular, por seu impacto na governabilidade do país — opina o jornalista Piet van Asseldonk, especialista na realeza do canal estatal NOS.
Segundo a Constituição holandesa, o rei é um membro do governo e, por consequência, a maioria de suas ações e discursos deve estar de acordo com o poder Executivo. Sem poder tomar partido, a realeza exerce apenas um papel simbólico na difusão de ideias que representam o país.
No entanto, com o resultado das eleições desta quarta-feira, a função do monarca pode ser posta em jogo, caso o primeiro-ministro eleito seja o candidato xenofóbico de extrema-direita, Geert Wilders, que assume o primeiro lugar nas pesquisas. Wilders planeja romper com a União Europeia (UE), ao mesmo tempo que ameaça impedir a entrada de novos imigrantes na Holanda, fechar mesquitas e proibir o Alcorão, livro sagrado do Islã.
Nos quatro anos de seu reinado, o marido da rainha Máxima lidou de maneira relativamente pacífica com Wilders, líder do hoje terceiro maior partido do Parlamento holandês. “Nosso rei é um homem simpático e enérgico”, tuitou o líder ultranacionalista depois de visitar o rei Willem pela primeira vez na cidade de Haia, em 2013 — declaração que pareceu como um trégua em relação as críticas que Wilders fazia frequentemente a rainha abdicada Beatriz, mãe do rei.
Willem mantém o tom habitual de seu discurso, sempre alinhado com o governo encabeçado pelo premier de centro-direita, Mark Rutte. No ano passado, por exemplo, manifestou uma enérgica defesa a favor da integração europeia durante uma visita ao Parlamento Europeu, em Bruxelas. Na época, Wilders não conteve seu descontentamento com o discurso, mas o descontou em Rutte, a quem acusou de prender o rei a uma “Europa em deriva“.
Algo similar aconteceu depois dos atentados do ano passado na Bélgica. Como uma forma de contenção, o rei decidiu ir a bairros de Rotterdam, onde vivem imigrantes muçulmanos, para falar da necessidade do país de se manter aberto e unido.
— Será que ele vai mudar seu discurso caso as urnas apontem uma preferência dos holandeses no ultranacionalismo? É uma questão delicada. A essência da integridade do rei é que não tome partido. Até por isso, por exemplo, que ele não possui direito ao voto — comenta o historiador e deputado social-democrata holandês Joop van den Berg.
A popularidade de Willem-Alexander se manteve alta, mas sentiu uma queda sensível desde sua posse como monarca. Não é claro se isso influi no auge da extrema-direita no país. Uma pesquisa do canal NOS aponta que 65% dos holandeses apoiam a monarquia — menor índice desde 2008. O membro da realeza com a melhor aceitação do público é a rainha Máxima. Segundo o levantamento, a monarca de origem argentina tem aprovação de 77%. É um respaldo muito maior do que qualquer outro político do país.
— Ninguém põe em dúvida a continuação da monarquia — explica Eddy Habben Jansen, diretor do centro de estudos ProDemos — Há partidos, como a Esquerda Verde, que pedem a abolição, mas nunca apresentaram nenhuma iniciativa séria para consegui-la.
Nas campanhas eleitoras, as legendas tradicionais como o partido do premier Rutte, os trabalhadores e os democratas cristãos destacam a coroa como fator de união entre os holandeses. Wilders, por sua vez, não faz menção ao tema em seu programa. O ultranacionalista não questiona a instituição que simboliza a realeza da Holanda, mas sim quais os valores que deve transmitir.
Para o rei, a expectativa é que passe por um período, no palácio de Haia, tendo uma presença discreta na política. A formação de um novo governo pode durar meses em um cenário fragmentado que, segundo pesquisas, deve ser pelas eleições — e o monarca não tem nenhum papel neste processo.

 

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