Quando o assunto é o impeachment de
Dilma Rousseff (PT), Eduardo Cunha (PMDB) é categórico ao posicionar-se
publicamente contrário à iniciativa. Mas quando o que está em pauta é a
derrubada do regime presidencialista e o nascimento do parlamentarismo
brasileiro a partir de 2018, o presidente da Câmara dá sinal verde. Pelo
menos é o que diz o presidente do PPS, deputado federal Roberto Freire.
Nesta terça-feira (7), Freire promete pedir à comissão da reforma
política que a PEC do parlamentarismo, a mesma que adormece há 14 anos,
seja levada à votação ao Plenário da Câmara. Para o deputado, a crise
protagonizada pelo governo Dilma Rousseff (PT) pede essa atitude.
Segundo informações do blog do jornalista Josias de Souza, Freire
disse que Cunha "não é avesso à ideia" e afirmou ter conversado também
com um dos caciques da oposição, o senador Aécio Neves (PSDB). "As
oposições não podem continuar espectadoras dessa crise [política]”,
disse Freire. “Temos que apresentar uma alternativa democrática",
acrescentou, descartando o impeachment.
O autor da PEC em questão é o ex-presidenciável do PV, Eduardo Jorge.
Na época em que propôs o texto, em 1995, ele era deputado federal pelo
PT paulista. A PEC foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ) e numa comissão especial em 2001. "Desde então, a proposta está
pronta para ser levada ao plenário da Câmara. Aguarda por um
entendimento político que desbloqueie a votação. E Freire acredita que a
crise atual é um convite à reflexão", escreveu Josias.
O jornalista do UOL demonstrou-se ansioso por descobrir, nos próximos
dias, se a atual crise política é forte o bastante para detonar o
presidencialismo. Josias lembrou ainda que entrevistas recentes, Eduardo
Cunha disse que o parlamentarismo não é má ideia, mas que deveria ser
discutido para "o futuro".
Para abrir o debate, o
GGN reproduz abaixo um artigo
do advogado Miguel Dias Pinheiro, publicado nesta segunda-feira (6). No
texto, Pinheiro explica as vantagens e desvantagens do sistema
parlamentarista, mas com uma observação sobre a história do País: há
duas décadas a população renegou a instituição desse sistema.
No último final de semana, a classe política brasileira foi sacudida
com a informação de que o presidente do PPS, Roberto Freire, deverá
apresentar para discussão no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) para implantar o Regime Parlamentarista no Brasil.
Com uma ressalva, de que o novo regime possa ser fincado após o governo
Dilma Rousseff. Argumenta-se que mudar o regime agora com o “carro
andando” seria afrontar e subtrair prerrogativas constitucionais do
atual governo presidencialista, tese que encontraria vedação na
Constituição Federal.
No próximo dia 21 de abril, o Brasil completa 22 anos que renegou a
instituição do parlamentarismo. Com a redemocratização traçada pela
vigente Constituição Federal, prescreveu-se que um plebiscito seria
realizado para que o povo decidisse sobre ter um Regime Republicano ou
uma Monarquia, sendo esta controlada por um sistema presidencialista ou
parlamentarista (ou sistema misto). Em 21 de abril de 1993, tentou-se,
portanto, mudar o sistema de governo. Porém, a maioria dos brasileiros
votou pelo presidencialismo, maneira pela qual vem sendo governado desde
a Proclamação da República, há 126 anos.
Na época, no Piauí, por exemplo, compareceram às urnas 1.857.832
eleitores e tivemos uma abstenção de 613.604, representando 33%. No
Piauí, 951.774 (95,2%) eleitores disseram “sim” à República e apenas
48.059 (4,8%) aprovaram a Monarquia controlada pelo presidencialismo ou
pelo parlamentarismo.
A questão agora volta à pauta e a oposição cria mais um fato político
como forma de se contrapor ao atual governo. Governistas dizem
tratar-se de mais um “casuísmo eleitoreiro”. Daqueles eivados de “ranço
derrotista”. Nos últimos meses, sobretudo após a reeleição da presidente
Dilma, insinuou-se, primeiro, um “impeachment”, mas não vingou.
Estilumou-se, inlusive, uma “intervenção militar”, uma “ditadura”, porém
o projeto naufragou. Agora, o “modismo” será a implantação do
“parlamentarismo”.
Como funciona o parlamentarismo
Em um contexto jurídico-político-legal, o regime parlamentarista é
complexo e de difícil compreensão popular. Sobretudo diante do atual
Congresso Nacional, que carrega índices alarmantes de desprestígio
público. Parlamentarismo é um sistema de governo em que o Poder
Legislativo (parlamento) oferece a sustentação política (apoio direito
ou indireto) para o Poder Executivo. Logo, o Poder Executivo necessita
do poder do parlamento para ser formado e também para governar. No
parlamentarismo, o Poder Executivo é, geralmente, exercido por um
primeiro-ministro. O presidente da Câmara dos Deputados seria, então, o
primeiro-ministro.
No parlamentarismo, o chefe de Estado (presidente) normalmente não
tem poderes executivos reais. O Presidente da República pode ser eleito
pelo povo e nomeado pelo Parlamento, por tempo determinado. Há também
vários países em que o presidente é eleito pelo próprio Parlamento. Quem
governa de fato (com poderes executivos) é chefe de governo, ou seja, o
primeiro-ministro.
As vantagens
As vantagens do parlamentarismo são, em síntese, as seguintes:
“relativa facilidade e rapidez da aprovação de leis”; “maior comunicação
do executivo com o legislativo, possibilitando uma melhor transparência
e fiscalização”; “menor risco de ocorrerem governos autoritários por
causa da aproximação entre a situação e a oposição”; “menor facilidade
de corrupção, por conta da diluição do poder”; “diminuição dos custos
das campanhas eleitorais”.
As desvantagens
As desvantagens, assim se apesentam: “questões de minorias, em geral,
tendem a ser diluídas no parlamento”; “o chefe do executivo não é
eleito pelo povo (no caso de parlamentarismo puro, porque tem o misto)”;
“tem relativa dificuldade de mudanças mais profundas, principalmente em
aspectos sociais, já que o parlamento tende a um centramento dos
ideiais politicos”; “a minoria (oposição) fica engessada, restando a
esta um papel mais de fiscalização da situação”.
O sistema parlamentarista tem origem na Inglaterra Medieval. No final
do século XIII, nobres ingleses passaram a exigir maior participação
política no governo, comandado por um monarca. Em 1295, o rei Eduardo I
tornou oficiais as reuniões (assembleias) dos representantes dos nobres.
Era o berço do parlamentarismo inglês. No mundo atual, são os seguintes
os países parlamentaristas: Canadá, Inglaterra, Suécia, Itália,
Alemanha, Portugal, Holanda, Noruega, Finlândia, Islândia, Bélgica,
Armênia, Espanha, Japão, Austrália, Índia, Tailândia, República Popular
da China, Grécia, Estônia, Egito, Israel, Polônia, Sérvia e Turquia.
O fim dos três poderes
No regime presidencialista, há três poderes: Executivo, Legislativo e
Judiciário. São exercidos, respectivamente, pelo Presidente da
República, pelo Presidente do Congresso Nacional e pelo Presidente do
Supremo Tribunal. No presidencialismo, há a concepção da harmonia dos
poderes. Nenhum pode superar ou impor-se ao outro. No regime atual, o
Chefe de Estado (que simboliza a nação) e o Chefe de Governo (que dirige
a administração do país) são a mesma pessoa. O Presidente da República é
chefe de estado e chefe de governo.
No parlamentarismo, todo o poder concentra-se no Poder Legislativo,
que se traduz, de fato, no único poder. Veja só: “único poder”! Muito
sério! Se o governo Executivo discordar do Parlamento, a maioria dos
deputados dissolve o governo. A Justiça não se deve opor ao Parlamento,
inclusive porque, em um parlamentarismo puro, a Constituição não é
rígida: se uma lei for considerada inconstitucional, o Parlamento
simplesmente altera a Constituição. Em um regime parlamentarista,
distingue-se o chefe de estado do chefe do governo. O chefe de estado
apenas simboliza a nação, mas não tem poderes administrativos. Pode ser
um monarca ou presidente escolhido pelo Parlamento ou eleito diretamente
pelo povo. A Rainha da Inglaterra, por exemplo, reina, mas não governa:
ela é chefe de estado apenas. O chefe do governo é quem governa e
administra. Ele é sempre escolhido pelo Parlamento, que pode
destituí-lo. Após as eleições, o partido político ou a coligação que
teve a maioria dos votos escolhe um primeiro-ministro e os que vão
ocupar os diferentes ministérios. Levam esses nomes ao Chefe de Estado,
que os submete ao Parlamento.
No parlamentarismo, o Executivo é um mero delegado da maioria
parlamentar. Em um regime parlamentarista puro, só parlamentares podem
ser ministros, e eles comparecem normalmente às sessões do Parlamento,
dando contas de sua atuação e sendo interpelados por seus pares. As
funções parlamentares são exercidas em sua plenitude por uma casa
legislativa que se pode chamar, por exemplo, de Câmara dos Deputados,
Parlamento, Câmara dos Comuns (Reino Unido) ou Assembléia Nacional
(França). Este poder não pode ser dividido com outra casa legislativa
que não tenha as características populares do Parlamento. No Reino
Unido, por exemplo, existe a Câmara dos Lordes, mas suas funções são
praticamente decorativas, na elaboração das leis. Os lordes não
destituem gabinetes.
Com o parlamentarismo, o cofre e o poder de nomear passam à mão do
primeiro-ministro que, por esse raciocínio, também domina o Parlamento.
Novamente, são condições políticas, e não jurídicas, que determinam quem
tem mais poder. No presidencialismo, chova ou faça sol, o mandato é
aquele. Só após quatro anos a sociedade vai discutir novamente a quem
será passado o bastão. Nesse ínterim, o mundo dá voltas, crises surgem e
se dissipam, são bem ou mal enfrentadas, governos mantêm ou perdem
legitimidade e o eleitor muda de opinião. Se o país é presidencialista,
nada disso importa. O governo permanece mesmo fraco, até a data da
próxima eleição. No máximo, uma renúncia do presidente, como ocorreu com
Jânio Quadros. Ou um “impeachment”, como se consumou com Collor de
Mello.
Todo poder ao parlamento
No parlamentarismo, quando há problemas, o governo simplesmente cai.
Cabe aos congressistas formar uma nova maioria, com um novo governo.
Quando não conseguem, o próprio Congresso é dissolvido, e eleições são
antecipadas. O sistema parlamentarista permite que governos considerados
bons durem o necessário e que os duvidosos terminem antes do prazo
previsto. Talvez seja essa a maior vantagem do parlamentarismo sobre o
presidencialismo.
Vejam como tudo isso é muito complexo e de difícil compreensão para o
leigo. Os críticos do parlamentarismo dizem que o regime só dá certo em
países com maior cultura política e, sobretudo, com partidos
organizados.
Cultura nacional
No Brasil, além do enfraquecimento de todas as siglas partidárias
ainda exercemos por aqui a política do “é dando que se recebe”. Que
implica em um governo corrompido e tendente a se agravar no
parlamentarismo. A crítica tem razão de ser. Afinal, é decorrente dos
maus hábitos da política brasileira. Hábitos que nasceram da
irresponsabilidade de parlamentares. Quando eles tiverem
responsabilidade, isso deixará de acontecer. Daí, sim, poder-se-ia
pensar no parlamentarismo, que, complexo ou não, é o que mais politiza o
povo e o que o torna efetivamente fiscal mais eficiente da “res
pública”.