O casamento de crianças sírias nos campos de
refugiados na Jordânia duplicou desde o início do conflito, deixando as
menores vulneráveis à pobreza, à violência doméstica e à doença, diz um
relatório da UNICEF divulgado esta quarta-feira.
O casamento de crianças em todo o mundo e a mutilação genital são os temas centrais da Cimeira das moças, que tem lugar em Londres no dia 22 de Julho em Londres e que é organizada pela UNICEF e pelo Governo britânico.
De
acordo com os dados recolhidos pela agência das Nações Unidas para a
infância, um terço dos casamentos realizados nos campos jordanos — onde
vivem 600 mil sírios — entre Janeiro e Março envolveram raparigas com
menos de 18 anos. Do total de casamentos de menores, 48% foram uniões
com homens pelo menos dez anos mais velhos.
“As raparigas que
casam antes dos 18 anos correm maiores riscos de ter complicações
durante a gravidez ou de serem vítimas de abusos. Também têm menos
oportunidades económicas, pois deixam de ir à escola e podem ficar
presas num ciclo de pobreza”, disse ao jornal
The Guardian Robert Jenkins, representante da UNICEF na Jordânia.
“O
casamento tem um efeito devastador para as crianças”, diz o relatório.
“Estas raparigas, que fugiram da Síria onde foram expostas ao que nunca
deviam ter visto, estão em risco do ponto de vista da sua saúde mental
porque sofrem de isolamento social, stress e abusos”, considera o
director da Save the Children, Justin Forsyth.
O relatório foi
redigido a partir de entrevistas nos campos realizadas pela própria
Unicef e pela organização Save the Children. O estudo aponta as causas
para o aumento destes casamentos e no topo delas está a pressão familiar
e do grupo. Com o casamento das raparigas, as famílias têm menos bocas
para alimentar e deixam de se preocupar com a segurança das menores. O
relatório também menciona os factores culturais como causa destes
casamentos.
Mas Abdullah, que tem 23 anos e casou com uma rapariga
de 13, Maha, disse que na Síria ninguém casa as filhas tão cedo. "Isso
não passa pela cabeça de ninguém, são muito novas", disse Abdullah,
explicando que os refugiados estão numa situação anormal em que o
casamento das filhas por parte das famílias quase sempre numerosas é a
solução para muitas preocupações.
Na
maior parte dos casos, foram casamentos forçados pela família.
Aconteceu com Maha. “O meu pai obrigou-me a casar porque ouviu falar de
uma rapariga que foi violada. Ficou com medo que me acontecesse o mesmo,
a mim e à minha irmã”, disse. “Obrigou-nos e não tive escolha. Eu não queria casar, queria acabar a escola, mas não pude”.
Abdullah
explicou que foi o pai da rapariga que o abordou. “Ela queria
inscrever-se na escola, mas havia muitas violações no campo e o pai dela
tinha medo que lhe acontecesse algum mal, e então casou-a. Além disso é
muito difícil para um sírio arranjar aqui trabalho e o pai dela estava
aflito com as contas e com a renda”.
Quando a guerra começou na
Síria muitas raparigas deixaram de ir à escola. Ao chegarem aos campos,
não conseguiram acompanhar as aulas. O fraco rendimento escolar também
foi apontado pelas famílias como justificação para estes casamentos
precoces. “Alguns dos inquiridos disseram que o fraco resultado escolar
das filhas, afastadas do ensino há tanto tempo, foi motivo suficiente
para procurarem um marido para elas. Na opinião dos pais, era inútil
elas continuarem na escola”.